Ney Matogrosso interpretando O Mundo é um Moinho de Cartola (1908-1980), o "trovador do samba"
Sísifo
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga
Desencanto
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
Memória
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Chungking express- Be my baby
Música Be My Baby, em vídeo do filme Chungking express de Wong Kar Wai.
O silêncio
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
One More Time, One More Chance
One More Time, One More Chance de Masayoshi Yamazaki faz parte da banda sonora do filme 5 Centimeters Per Second e é uma música muito bonita e viciante.
Porque tinha uma mulher no pensamento
Sei que os lavava como se os contasse
Sei que os enxugava com a luz da mulher
Com os seus olhos muito claros voltados para o centro
Do amor, na operação poderosa
Do amor
Sei que cortava os cabelos para procurá-la
Sei que a mulher ia perdendo os vestidos cortados
Era um homem imaginado no coração da mulher que lavava
O cabelo no seu sangue
Na água corrente
Era um homem inclinado como o pescador nas margens para
A chuva de Sevilha : )
As sem-razões do amor
Eu te amo porque te amo.
Amor é dado de graça,
Eu te amo porque não amo
Amor é primo da morte,
Carlos Drummond de Andrade
Mar
A sua adolescência ficara cheia de dunas e de camarinhas, de falésias e águias, de tempestades, de nomes de barcos e de peixes; de aves e de luz coalhada à roda duma ilha.
Conhecera a ansiedade daqueles que, ao entardecer, olham meio cegos a vastidão incendiada do oceano - e ninguém sabe se esperam alguma coisa, alguma revelação, ou se estão ali sentados, apenas, para morrer.
Aprendera, também, que o mar, aquele mar - tarde ou cedo - só existiria dentro de si: como uma dor afiada, como um vestígio qualquer a que nos agarramos para suportar a melancólica travessia do mundo.
Depois, partiu para longe. E durante anos recordou, em sonhos, o mar avistado pela última vez ao fundo das ruas. Procurou-o sempre por onde andou, obsessivamente - mas nunca chegou a encontrá-lo.
Certa noite de bruma fria, em Antuérpia, no "Zanzi-Bar", julgou ouvir o mar que perdera na voz dum jovem marinheiro grego. Mas não, o marulho que aquela voz derramava, junto à sua orelha, era de outro mar - fechado, calmo - propício aos amores inquietos e à lassidão embriagante do sol e do vinho.
Anos mais tarde, em Delos, haveria de reconhecer a voz do marinheiro no rebentar das ondas, em redor da ilha, como um eco: "onde te vi despir regresso agora / para adormecer ou chorar" e a noite caiu subitamente sobre ele, sobre a ilha e sobre o sonolento coração das leoas em pedra.
Uma outra vez, perto de Gibraltar, uma mulher idosa quis ler-lhe as linhas emaranhadas da mão. Já não se lembra o que lhe contou a mulher, acerca da vida e dos rumos da paixão. Recorda somente o que ela lhe disse ao separarem-se:
- Tens nos olhos a cor triste do mar que perdeste.
E passou bastante tempo antes que o homem voltasse ao seu país. Quando o fez, foi ao encontro do mar. Largou a cidade e os amigos, a casa, o conforto, a noite, o trabalho e tudo o mais. Viajou em direcção ao sul, com a certeza de que jamais encontraria o mar perdido, em lugar incerto, a meio da sua vida.
Sabia agora que nenhum mar existia fora do seu corpo, e que tinha sido na perda irremediável de um mar que adquirira um outro onde, por noites de inquietante insónia, podia encontrar-se consigo mesmo e envelhecer sem sobressaltos; afastado da vã alegria dos homens e da pobreza do mundo.
Ao chegar junto do mar sentou-se no cimo da duna, como dantes, e esperou. Esperou que o mar guardado no fundo de si transbordasse, e fosse ao encontro daquele que perdera e se espraiava agora à sua frente.
Ainda hoje permanece sentado, no mesmo lugar - esperando o instante em que os dois mares se dissiparão um no outro, para sempre.
Está cansado da guerra com as palavras e do veneno dos homens, tem os olhos queimados pelo sal. Os dedos adquiriram a rugosidade da areia e dos rochedos; da sua boca solta-se um marulhar surdo, muito antigo, que os dias e a solidão arrastam devagar para a luminosa euforia das águas.
Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti
que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
Maria do Rosário Pedreira
Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como fronteiras invadidas
Homens que são como a negação das estratégias
Homens que são como danos irreparáveis
Daniel Faria
Os teus lábios...
Pele
Eu preciso dizer que te amo
One for My Baby (and One More for the Road)
One for My Baby(and One More for the Road), por Robbie Williams (2001, Royal Albert Hall)
Você não me ensinou a te esquecer
"Que faço eu da vida sem você
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer"
Sampa (1978) de Caetano Veloso
Alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João
é que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
da dura poesia concreta de tuas esquinas
da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee, a tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi
de mau gosto, mau gosto
é que Narciso acha feio o que não é espelho
e a mente apavora o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende de pressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
da força da grana que ergue e destrói coisas belas
da feia fumaça que sobe apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços
tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Panaméricas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
mais possível novo quilombo de Zumbi
e os novos baianos passeiam na tua garoa
e novos baianos te podem curtir numa boa.
Cartier-Bresson (1908-2204) : "o olho do século"
O primeiro cartão de Natal
Eu te amo (1980)
"Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir"
O que será (1976)
O que será (Flor da Pele)- Chico Buarque em dueto com Milton Nascimento
Futuros amantes (1993)
"Futuros amantes quiça, /Se amarão sem saber/ Com o amor que eu um dia/Deixei pra você"
Jardim interior
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem passa por eles indiferente.
Mario Quintana
Olho-te e não me vês...
a floração das malvas e o girassol retribui
os favores da luz. Eu sento-me onde acho
que vai estar a tua sombra. E, como a dor
que persegue a ferida, vejo-te quando passas,
mas vejo-te melhor quando não passas. Tu
não me vês; caminhas na geometria vã de
uma linha sem pontos; às vezes parece que
alguma coisa te detém e viras-te - talvez
então me chames dentro de ti, talvez até
me olhes. Mas não me vês.
Dastardly e Muttley
Ligações:
«Ele recorda esses anos perdidos como se olhasse através de uma janela empoeirada. O passado era algo que ele podia ver, mas não tocar. E tudo o que vê está turvo e indistinto.»
2046, de Wong Kar-Wai
«—Certa vez, apaixonei-me por uma pessoa. Depois de algum tempo, ela desapareceu. Fui para 2046. Pensei que ela pudesse lá estar à minha espera. Mas não consegui encontrá-la. Passo o tempo a perguntar-me se ela me amaria ou não. Mas nunca cheguei a descobrir. Talvez a sua resposta...fosse como um segredo que nunca ninguém desvendará.»
«Todas as recordações são rastos de lágrimas»
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Existem coisas que não têm uma explicação clara. O meu encanto por Florença é assim. Nunca lá fui e o que sei dela não passam de ideias vaga...
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"No nosso país", disse Alice..."consegue chegar-se a qualquer lado se se correr muito depressa..." "Isso é um país...