Quero uma noite branca....

" «Noites brancas», noites do início do Verão em que não escurece, fenómeno observado em ambos os hemisférios a partir dos 60 graus de latitude norte e sul (em Petersburgo vai de 11 de Junho a 2 de Julho). A páginas tantas de Noites Brancas: «As minhas noites acabaram de manhã.» A noite é o sonho, o dia é vida, a noite branca imita o dia; o herói de Noites Brancas vive no sonho (é a sua alienação), vive de noite, por isso precisa que a noite lhe seja branca, para imitar o dia, que o sonho lhe seja vida; por isso as noites dele acabam de manhã, por isso a vida dele acaba de manhã, com a realidade."
Filipe Guerra

Como é que me transformo em gato?

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa

Sabia bem...

...um parêntesis...
...com esta vista lá dentro...

Recordar o que se quer esquecer...

«Heródoto imaginou os historiadores como guardiães da memória, a memória de feitos gloriosos. Eu prefiro ver os historiadores como os guardiães de factos incómodos, os esqueletos no armário da memória social. Existiu em tempos um oficial chamado Recordador. O título era na realidade um eufenismo para colector de impostos, o trabalho do oficial consistia em recordar às pessoas aquilo que elas gostariam de esquecer. Essa é uma das funções mais importantes do historiador.» Peter Burke, in O Mundo como Teatro: Estudos de Antropologia Histórica, p.251

Os Provérbios Flamengos (1559) de Bruegel

...mais de cem provérbios foram identificados neste fantástico quadro que representa o mundo às avessas...

Transmutação


Nascemos carne. E a cada dia
Nos vamos transformando em sonho.
Há sempre um patamar tristonho
Na escada em que antes não havia.

Há sempre um quarto em que vivemos
E nunca vimos. Sempre há um morto
Que bate à porta. Há sempre um porto
Que jamais houve e de onde viemos.

Há uma manhã cinza na feira
Que não se acaba há muitos anos.
Há uma mulher, nua entre panos,
Que não é nossa a vida inteira.

O tempo espera, inalterado
Como um licor, que nós subamos
Por ele abaixo, nós que vamos
Descendo-o acima em passo ousado.

Atrás há a aurora. À frente o nada.
No meio a confusão das luas.
Ah! quem voltasse às mesmas ruas
Em senso inverso, até a entrada.

Quem desse as costas à saída
Certa e voraz, e, dessa sorte,
Fosse afastando-se da morte
Até a primeira hora da vida

E seu mistério, e se encarnasse
Nos seus eus idos, e fugisse
Por si acima, até que ouvisse
O choro antigo, e ainda o passasse.

Nascemos carne, e ao sonho vamos.
Somos o fio que desfaz
Toda a tapeçaria, mas
Quem é que o puxa, nem sonhamos.

Vamos fazendo-nos de ar
De crianças rijas que já fomos,
Vamos como explodindo em gomos
De ser, um fruto a se espalhar.

Nossos amigos são de vento
Cada vez mais. As nossas casas
Grãos que o sol doura. Soam asas
No nosso cofre mais sedento.

Para isso apenas nos gerastes,
Para ser sonho, mães de sonho.
Há sempre um pássaro medonho
Nos nomeando entre umas hastes.

Há sempre um baile de sumidos
Na íntima praça inexistente.
Há um branco sol sempre presente
Na noite em que vamos perdidos.

Há um rosto cruel que nos exorta.
E escadas. E a manhã na feira
Que vai durando a vida inteira.
Há o patamar. E um beijo. E a porta.

Alexei Bueno

Soneto da fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vive-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espelhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius De Moraes

Central do Brasil (1998)


Quando você tiver cruzando as estradas, no seu caminhão enorme, eu espero que você lembre que fui eu a primeira pessoa a te fazer por a mão num volante.

O que tinha que ser

O que tinha que ser , música de Tom Jobim e Vinícius de Moraes interpretada por Elis Regina

Felix the Cat

Felix in Hollywood (1923)

Ítaca

Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado — não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria — nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.

Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.

Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.

Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.

Konstantinos Kavafys / Tradução de Jorge de Sena

Madalena (1970)

Composição: Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza. Interpretação: Elis Regina.

Música lançada no primeiro LP Agora de Ivan Lins e que foi também gravada no mesmo ano por Elis Regina.

Disse-lhe hoje sei que não serás mais minha do que já és, porque és tanto, porque se não fosse o teu rosto seria muito mais infeliz pois seria ignorante, porque se não fosse o teu olhar, não conheceria a beleza e chamaria belo ao que, apenas é indiferente. Disse-lhe hoje sei que és absolutamente minha, porque te escrevo, porque te vejo, porque estás dentro de mim, e essa distância insuperável é um passo pequeno que dou sem sentir. Disse-lhe hoje sei que te amo.
José Luís Peixoto, in Uma Casa na Escuridão

Only love can live in my dream

When I live my dream de David Bowie em vídeo do filme Boy Meets Girl

No final do dia
as aves partem voando
uma atrás da outra
em todas as direcções -
qual me levaria a ti?

Tanka de Isumi Shikibu

D: É o destino

Slumdog millionaire, de Danny Boyle

Barcelona

Música Barcelona dos Giulia y los Tellarini

It´s a wonderful life (1946)

It´s a wonderful life (Do Céu Caiu uma estrela), filme de 1946 realizado e produzido por Frank Capra, baseia-se na história The Greatest Gift (1943) de Philip Van Doren Stern.

Ah, Poder ser tu, sendo eu!

Ei-lo que avança
de costas resguardadas pela minha esperança
Não sei quem é. Leva consigo
além de sob o braço o jornal
a sedução de ser seja quem for
aquele que não sou
E vai não sei onde
visitar não sei quem
Sinto saudades de alguém
lido ou sonhado por mim
em sítios onde não estive
Há uma parte de mim que me abandona
e me edifica nesse vulto que
cheio de ser visto por mim
é o maior acontecimento
da tarde de domingo
Ei-lo que avança e desaparece
E estou de novo comigo
sobre o asfalto onde quero estar

Ruy Belo

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