Os namorados pobres

O namorado dá
flores murchas
à namorada
e a namorada come as flores
porque tem fome

Não trocam cartas
nem retratos nem anéis
porque são pobres

Mas um dia
têm muito medo
de se esquecerem
um do outro
então apanham
um cordel
do chão
cortam o cordel
com os dentes
e trocam alianças
feitas de cordel

Não podem
combinar encontros
porque não têm
número de telefone
nem morada
assim encontram-se
por acaso
e têm medo
de não se voltarem
a encontrar

O acaso
não os favorece

Decidem nunca sair
do mesmo sítio
e ficarem sempre juntos
para não se perderem
um do outro

Procuram um sítio
mas todos os sítios
têm dono
ou mudam de nome

Então retiram
dos dedos
os anéis de cordel
atam um anel
ao outro
e enforcam-se

Mas a namorada
tem de esperar
pelo namorado
porque o cordel
só dá para um
de cada vez

O namorado
descansa à sombra
da figueira
e a namorada
baloiça
na figueira

O dono da figueira
zanga-se
com os namorados pobres
porque julga
que estão a roubar figos
e a andar de baloiço

Adília Lopes

De encher a alma...

O acústico fica tão bem à Adriana Calcanhotto...músicas elevadas à perfeição.


Shirin


O filme não é uma hora e meia de espectadores a verem outros. O filme é o tempo de imaginarmos visualmente uma história na nossa cabeça. Ela é construída visualmente nas nossas cabeças através do que nos é sugerido pela narração e pelos olhos daquelas mulheres. Antes de termos um filme em que temos tudo feito e só precisamos "engolir", temos um filme em que participamos de forma activa e em que necessitamos estar completamente absorvidos para não nos perdermos. Existe um filme diferente para cada espectador e existe um filme diferente para cada mulher que aparece no filme, pois o que elas exprimem são emoções acerca de algo porque passaram na vida...não têm um filme à sua frente como parece, têm um "filme" nas sua cabeça. Tantos filmes podemos imaginar dentro de um só filme...Quantos é que nos permitem tal? Para além disto tudo, o poema é óptimo. Para mim, valeu a pena. Para quem não entrar na lógica do filme e aceitar o "jogo", deve ser realmente uma valente seca.

Aqui fica o link para a entrevista com Abbas Kiarostami:

Paraíso

Hoje falou-se destes beijos censurados do Cinema Paraíso. Fantástico encontrá-los acompanhados de uma das minhas músicas favoritas do Chico Buarque.

Na morte da avó

não bastasse a humilhação pública de morrer
espera-se do corpo que cumpra com indiscutível
pompa o intolerável protocolo de ausentar-se

a penosa execução circular e nocturna do velório
a presença inconveniente dos agentes funerários
os adereços lutuosos a obscena maquilhagem

no dia seguinte, o inventário das orações, a concisa
cerimónia (não há muito a dizer, sejamos honestos
e soa até a insulto que se pronuncie o nome de

Lázaro) o caixão é fechado, o dia põe-se bonito
– é quase tão imoral como alguém ter trazido uma
gravata com motivos facetos, uma camisa florida –

depois, em casa, parece que as vozes ressoam como numa
sala a que tivessem subtraído os móveis e houvesse, por isso
a estranheza de uma extensão desprovida, dissemelhante

o avô vai buscar as memórias da infância (por que
razão obscura omite ele as lembranças de casado?) há
na sua voz qualquer coisa de paciente melancolia

como se aceitasse, com constrangedora submissão, que
o tempo não se detenha nunca, que os anos nos empurrem
para um buraco na terra, nos sujeitem a tão bruta descortesia

a prontidão da morte, a ligeireza do tempo, a estupidez
da vida que nunca vai encontrar cura e razão para ela própria
contra tudo isso eu alardeio o poema, antecipo a derrota

Miguel Manso, in Santo Subito

A vez de Berlim...

Nunca me aborreço numa biblioteca. Quer dizer, posso aborrecer-me quando estou presa em leituras obrigatórias (que espécie me fazem as leituras acompanhadas de obrigação). O facto é que os meus olhos fogem sempre delas e escolhem, por sua livre vontade, em que livro parar. Na semana passada, pararam num livro que trouxe uma cidade com ele. É um dos livros da colecção Memórias, dirigida por Henry Dougier. A editora é a Terramar. Cada livro da colecção é dedicado a uma cidade com memórias marcantes. Lisboa, Sevilha, Londres, Toledo e Berlim são exemplos das cidades já tratadas. Eu parei em Berlim. Eu recuei ao período 1919 e 1933 . O título do livro é "Berlim, 1919-1933: Gigantismo, crise social e vanguarda: a extrema encarnação da modernidade". Paro em Berlim no momento em que o regime imperial desaba e a República Weimar se constitui. Uma república tantas vezes apelidada de república sem republicanos. Mas uma república que deixa algo claro: o Estado é Berlim. A cidade, sem dúvida, continua a destacar-se. Nos anos 20, a população passa para 4 milhões (1 milhão dos quais são operários) e, em extensão, torna-se a cidade mais vasta do mundo. Em termos de comunicações, conta com uma rede imensa. É uma cidade marcadamente industrial e invadida pela técnica. Mas este "gigantismo" a ela associado não é capaz de camuflar totalmente tudo o resto, o submundo de Berlim. A inflação, desemprego e lutas sociais são uma realidade. Estes anos em que vou permanecer, enquanto durar a leitura, são, certamente, intensos a nível político mas também de uma grande inovação artística. Que importantes são para compreendermos tudo o que se passa imediatamente a seguir (estes anos que mudaram o mundo). Prosseguirei na minha estadia, com vista a um mais completo entendimento da nossa História contemporânea. É crucial , sem dúvida, perceber o que se passou em Berlim ao longo do século XX para entendermos o mundo de hoje. Agora, vou voltar para Berlim...

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