Gosto das cores de Aveiro e detesto máquinas sem bateria em dias como o de hoje, em que a luz da cidade exige que se fotografe. Detesto também museus fechados, ainda por cima quando se trata de um dedicado à Arte Nova. Mas o que vale é que a cidade nunca fecha e sempre se vão vislumbrando pormenores que me fazem lembrar esta época de grande esplendor estético.
E depois há sempre a ria ao fim do dia, a igreja em que os azulejos ficam perfeitos e caras coloridas que ancoram um poema.
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa